Santo Daime Revelado

Capítulo XIV – Breve BIOGRAFIA do Xamã Gideon dos Lakotas e do início do Céu Nossa Senhora da Conceição

MINHA INFÂNCIA

Nasci às 16hs de 7 de março de 1964 em uma cidade pequenina que fica aos pés de muitas serras da Zona da Mata em Minas Gerais. Quando criança, eu não gostava muito de estudar. Esse negócio de ficar raciocinando era difícil pra mim. Minhas notas não eram lá aquelas coisas. Preferia andar a cavalo que ficar com os livros. Tive uma infância normal, como a de qualquer menino sadio e astuto. Uma característica minha é que sempre fui muito obediente e sempre manifestei profundo amor pela natureza e todas as coisas vivas. Gostava de conhecer as plantas e observar os animais. Gostava de cuidar da horta e conversava muito com as árvores e animais. Também soltava às escondidas os passarinhos que meu irmão mais velho pegava no alçapão e prendia em gaiolas. Algumas vezes apanhei por isso.

Tive um grande amigo desde o jardim de infância, seu nome é Paulo Roberto e seu pai era o dono do açougue da cidade. Crescemos juntos e por muitas vezes eu ia com ele receber contas atrasadas de alguns clientes do açougue. Era uma forma de ganharmos um dinheirinho extra. Os pais do Beto, Amauri e Lourdes, sempre foram como pais pra mim. Desde que me conheço por gente, eu já comentava com as pessoas, embora de forma infantil, que um dia eu compraria uma fazenda grande e lá eu poderia acolher os animais machucados. Dizia que lá soltaria um milhão de cavalos, um milhão de aves, um milhão de bois, um milhão de cães, um milhão de gatos etc, para eles viverem livres e morrerem de velhice. Na mente de uma criança um milhão parece ser um bom número.

Talvez cuidar sempre da horta e perceber a fartura que saía dali me levou a perceber que a terra era agradecida e sempre retribuía com muito. Essa era uma das razões de eu sempre perguntar aos adultos como é que pessoas passavam fome se o Brasil tinha tanta terra? Lembro muito bem que eu sempre levantava de madrugada, às quatro horas, trocava minha roupa e ia para frente da casa do Sr. Zeli Pereira esperar ele sair para a sua fazenda, onde lidava ‘com gado de leite. Isso eu fiz por anos a fio. Através do sentir, eu sempre soube que precisaria ter grandes terras para cumprir a missão que vim realizar, embora ainda não tivesse consciência plena do que era exatamente essa missão. Então, eu sabia que indo para a fazenda do Sr. Zeli (que era como um avô para mim) todos os dias, de certa forma eu já estaria dando início a alguma coisa.

Meus Deus, como eu falava! Eu não parava de fazer perguntas ao Sr. Zeli sobre os animais. Perguntava tudo sobre os cavalos, sobre o gado, sobre os cabritos, sobre as galinhas e patos, sobre os peixes, sobre as hortas e sobre os pastos. O Sr. Zeli, pacientemente, sempre me respondia tudo. Certa vez, ele, encontrando o meu pai na padaria do Prachedes, onde se reuniam para jogar umas partidas de buraco, disse sorrindo: “Você precisa me dar um quilo de bala”. Meu pai perguntou: “Por que?” E o Sr. Zeli respondeu: “Para eu dar ao seu menino para ele ficar com a boca ocupada e me dar um tempo com as perguntas”. E ambos riram muito.

Eu estudava no primário da escola pública, onde eram comuns as visitações do padre João. Co mo eu simpatizava com o padre João! Aquele holandês enorme, meio calvo e dos olhos azuis que fumava constantemente um grande charuto de cheiro forte. Muitas vezes nós sabíamos que o padre estava próximo devido ao cheiro do charuto, que chegava primeiro. Eu sempre sonhava com uma santa pretinha circundada por um manto de estrelas que sempre me confortava quando eu passava por momentos difíceis. A vovó Bijuca, que teve formação católica, costumava contar para nós, os netinhos, as histórias da santa Corrêa. Isso era outra coisa que eu adorava.

Mas o interessante é que, apesar de todos esses fatores positivos, eu sempre tive verdadeira ojeriza pela igreja católica romana. Da igreja católica romana, o que mais gostava era a distância! Aquela historinha de me confessar, mesmo que fosse com o padre João, que eu tanto simpatizava, jamais me agradou e era uma briga feroz tentar me obrigar a confessar daquela forma. Por diversas vezes a professora, a vovó Bijuca e até minha mãe, perguntavam:

– Por que você não gosta da igreja católica?

– Eu sinto não ser a coisa certa.

– Mas como então você gosta do padre João?

– Eu sinto que ele é bom.

Após muitas brigas, nas quais eu estava numa visível desvantagem, precisei começar a articular planos. Sabia que a tal da confissão na escola acontecia só duas vezes por ano. Eu poderia fingir que havia me confessado e nenhuma briga aconteceria. Aí ficaria muito mais fácil. Então veio a primeira comunhão e as coisas se complicaram de novo. Eu era apenas uma criança e sofria a maior pressão por parte da minha mãe e das mães dos amigos também. Mas sentia que ali não era o caminho, embora eu ainda não pudesse explicar. Não teve jeito, me obrigaram na marra a fazer a primeira comunhão. Como odiei ser ainda pequeno nesse dia!

Aos 7 anos, a sensitividade que eu manifestava já era forte. Também já sabia ler comecei a estudar a Bíblia. Sempre guiado pela intuição, eu encontrava as passagens que iam de encontro com as atitudes da igreja católica. Trechos que falavam sobre imagens e reverências, sobre a fé sem obras e o suor de todos nós. Falavam também que “a árvore se conhece pelos frutos que dá” e tantas outras coisas. Embora eu não gostasse de estudar, havia uma forte razão que me motivava a ler a Bíblia. Em pouco tempo nenhuma das mães, minha e dos meus amigos, tentavam me obrigar a seguir a doutrina católica romana, porque agora eu tinha argumentos que as punham em cheque. Pouco tempo depois, minha mãe começou a freqüentar um centro espírita Kardecista e ali sim eu me sentia em casa. Sentia ser a coisa certa.

Certa vez, uma médium maravilhosa de nome Floripes ficou me observando na rua enquanto eu andava com a minha mãe e, se aproximando, disse: “Seu filho é um médium de traços fortes, precisa se desenvolver”. Essas palavras entraram em minha mente como uma flecha. Aos 10 anos, no quarto ano de grupo escolar, me tornei muito amigo de um rapaz da mesma idade e começamos a estudar na mesma sala. Um crioulo muito simpático e inteligente e muito alto que muitas vezes me deu aulas nas vésperas de provas. O nome dele é Jerônimo. Vinha de uma família humilde, de berço Kardecista. Seus pais, Sr. João e D. Isaura, foram como pais para mim e foi através deles que eu entrei, de fato, no mundo do Kardecismo. Por diversas vezes, participava da semana espírita que acontecia no asilo da rua de cima e dessa forma pude presenciar os verdadeiros exemplos de amor incondicional. Também nessa época, eu, o Paulo Roberto e o Jerônimo, costumávamos acampar nas montanhas. Éramos astutos e nadávamos bem, então nossos pais permitiam. Tempos dourados aqueles!

Quando fiz 12 anos, já na sexta série ginasial, chegara a época das confissões, mas aconteceu algo que mudaria muito as coisas pra mim: a presença de um bispo e de um outro padre. Não sei por que o simpático padre João não foi. Por amor a ele eu até teria ficado quieto. Eu enxergara uma forma de lutar, resolver de vez aquele problema e o estimado padre João estava ausente. Aquele era o momento perfeito, eu estava afiado na bíblia e há mais de um ano vinha aprendendo com os espíritas muito sobre as verdades não contadas na história. Enchi o bispo e o padre com perguntas bíblicas que põem em cheque muitas das atitudes da igreja católica romana. O interessante é que até então eu não sabia que podia me sair tão bem. E ainda, tirando proveito sobre as histórias da santa inquisição que muito, perguntei ao bispo se o Senhor Jesus aprovaria os assassinatos e torturas acontecidas por ordem do papa da época? O bispo e o padre se entreolharam, tossiram, fizeram “ham ham” com a garganta. Tanto o bispo quanto o padre novo já estavam exaltados pela situação que os coloquei diante de 40 estudantes e, antes que pensassem em uma desculpa, fiz mais uma indagação: “Senhor bispo, o senhor pode, me explicar o que é hipocrisia? É que ouço tanta gente usar esta palavra quando o assunto é a igreja católica que eu quero saber o que significa”.

O padre novo, já com a voz visivelmente alterada respondeu com energia, que eu tivesse educação e respeito, que perguntasse essas coisas para minha mãe e dentro de minha casa. Então eu soube, aquele era o momento certo: “Seu padre, será que hipocrisia tem há ver com o fato do senhor andar numa Brasília novinha, mas nunca pagar as contas que faz no açougue do pai do Beto?” Aos berros, me expulsaram da sala de aula, graças a Deus! Aquele martírio escolar de tantos anos se encerrara com aquele confronto. Mas algo aconteceu nesse dia que me deixou maravilhado: descobri o poder da inteligência seguida pela ação. Mas um outro acontecimento é que viria consumar de vez esta lição, nesse mesmo ano. Eu vadiei demais e levei bomba, repeti o ano. Nunca vou me esquecer do que senti quando percebi que meus antigos amigos seguiram adiante, e eu fiquei para trás. Eu me senti como se tivesse desistido de continuar a caminhar com eles. Isso me causou tamanho repúdio e gerou uma tão grande energia que me acordou para a vida de uma só vez. Eu me senti tão derrotado naquele dia, que tomei a decisão de nunca, mas nunca, nunca mesmo, desistir de nada que eu começasse enquanto não alcançasse a vitória. Eu jamais seria derrotado novamente. Eu morreria de pé, mas não viveria de joelhos!

E isso realmente me mudou, porque foi quando eu descobri o poder da vontade e da inteligência. No ano que se seguiu comecei a estudar em uma sala com pessoas estranhas a mim e ao entrar na sala fui recebido com uma vaia enorme. Senti-me o pior dos homens naquele momento. Mas o espírito de luta da decisão que já havia tomado me sustentou. Tornei-me um estudante assíduo. Passei inclusive a dar aulas para os meus colegas nas vésperas de provas. Descobri o quanto eu gostava de ciências. Havia descoberto a força da “cri atividade”. Passei a competir e a vencer as feiras de ciências da minha escola e das escolas da minha e da região também. Travei grandes amizades com o Wilson e seu primo Bruno, o Regis dd Guido e o Reginaldo do Pedro Capixaba, o Flávio Bichinho de Luz e o Naldo seu irmão, o João Almada e seu irmão Rogério, o qual chamávamos de padre. Aquilo que começou como um martírio se transformou em anos dourados.

Alguns anos depois, junto com meu amigo Flávio do Juquinha, cheguei mesmo a ir competir em Belo Horizonte, representando a Secretaria de Ensino daquela região de MG. Havíamos vencido todas as escolas daquela Delegacia de Ensino e agora estávamos em belo Horizonte. Ficamos hospedados no hotel Gontijo e um diretor, de uma empresa de nome Nordberg, ficou emocionado com o projeto que nos havíamos desenvolvido e nos deu 100 dólares de presente.

Comecei a praticar capoeira e me saí muito bem. Depois de um ano passei para artes marciais mais fortes, com o professor William. Junto também estavam meu inseparável amigo Jerônimo e o Lala, filho do Orlando soldado, de quem sempre gostei muito. As artes marciais me auto disciplinaram ainda mais. Descobri o quanto, uma vontade forte e bem canalizada fazia meu corpo forte e minha mente obediente. Nadava muito no açude da usina Paraíso e no rio Pomba também. Correndo acelerado eu fazia todas as tardes a volta do “O”, que tem 8 km. Aprendi a fazer malabarismo em cima de cavalos e gostava do desafio de montar de vez em quando em garrotes no curral do Sr. Zeli. Ser forte e atlético resultava em muitos elogios e me fez muito popular entre os amigos. Mas acabou por me deixar “convencido” e houve um tempo em que eu me achava “o máximo”. Havia muito ego comigo. Antes de repetir o ano, eu estava numa extremidade. Depois, através da vontade e da inteligência, caminhei sentido ao centro. Então, forcei demais e agora estava na outra extremidade.

Foi quando eu recebi uma lição que me marcou muito. Havia um rodeio na cidade e os verdadeiros peões que viviam disso já tinham se recusado montar o touro araçá daquele rodeio. Eu, me achando muito grande, quis fazer bonito e disse que montaria aquele touro. Quase morri neste dia! Eu vi a viola em cacos! Aquele tanque de guerra que mugia me arremessou para mais de 10 metros no chão e passou por cima de mim como se fosse uma locomotiva. Num ato desesperado de tentar sair da frente daquele monstro, eu me arrastei rápido no meio da bosta com palha de milho e passei por debaixo da cerca. Mas isso não antes de ter minha perna direita pisoteada por aquela locomotiva de chifres. Além de machucado, ainda levei uma vaia daquelas da platéia do rodeio. Naquele momento, todo lambuzado e machucado, enquanto alguns peões me socorriam, pude perceber claramente o alto preço que cobra a vaidade, enquanto a platéia, rindo, gritava por mais diversão. A vaidade nada lhe dá e tudo exige em troca. Minha perna não quebrou graças a Deus, mas o músculo da barriga da perna inchou e ela ficou tão grossa quanto a coxa. Levei mais de um mês para me recuperar por completo. Esse acontecimento me fez retomar ao caminho do meio, ao meu centro. Quanto ao touro araçá, observo que sua decisão de nunca se deixar domar era fascinante. Aquele touro foi magnífico.

Quase todas as tardes eu ia para a casa do Jerônimo. O fato de nós estudarmos em salas diferentes em nada atrapalhou nossa amizade. Mas aquela tarde havia algo no ar. Tanto eu como o Jerônimo percebíamos uma brisa diferente, um calor diferente. Embora o céu estivesse todo azul e ensolarado, e o vento estivesse calmo, uma sensação de que havia algo de diferente se fazia presente. O comportamento dos animais não era o mesmo. Naquela tarde, não houve a revoada costumeira de algumas aves e nem o canto do sabiá. Até os pardais, que se aninhavam no final de tarde nas árvores da praça, fizeram isso nervosos. Naquela noite, uma grande massa de nuvens carregadas tomou a região. Eram umas nove horas da noite quando começou a chover muito. De vez em quando, a escuridão da noite era anulada pelos flashes fortes dos relâmpagos que corriam pelo céu. O estampido dos trovões ecoava seguindo a claridade dos raios.

A chuva estava muito forte e não parava. No começo da madrugada, os trovões se fizeram ainda mais fortes e a chuva aumentara ainda mais. Já madrugada adiantada, quando a chuva já havia diminuído muito, quando ouvimos algumas pessoas passarem na rua avisando alto a toda a cidade: “O rio está subindo, o rio está subindo!” Pensei comigo: todos os anos o rio Pomba cresce. Já havia presenciado aquele rio subir uns três metros de altura, por que agora pessoas anunciavam a enchente que chegava? A noite estava terminando e a manhã começava a romper o dia. O céu estava novamente limpo e teríamos, mais uma vez, um dia bem ensolarado. Mas havia um barulho diferente: um som como de um ronco era contínuo naquela manhã.

Eram umas cinco e meia da manhã quando troquei minhas roupas e fui ver o que era. Ao chegar do outro lado da pracinha, vi algo que me gelou o estômago, O rio Pomba havia subido mais de 10 metros. A ponte alta, que toda as manhãs eu atravessava para ir à escola, agora estava meio metro abaixo da água que continuava subindo. Lembrei-me de imediato do Jerônimo. Embora sua casa não fosse na beira do rio, pela altura da enchente, certamente sua morada teria sido atingida. Fui correndo e, ao me aproximar, me deparei com um grande número de casas dentro da água. Por sorte, naquela parte a água fizera volume, mas não havia qualquer correnteza, pois era um terreno meio que plano mas longe do leito original do rio.

A água nas casas já estava com mais de um metro e meio e ainda subia mais. Na outra extremidade da rua, em meio a uma multidão, vi a D. Isaura e o Jerônimo sentado em um banquinho velho. Atravessei nadando e, chegando até eles, senti o Jerônimo totalmente desanimado. A D.Isaura, em silêncio, mantinha uma expressão preocupada enquanto olhava sua casa agora na água. Perguntei a D. Isaura onde estavam as coisas da casa. Ela respondeu que a água subiu depressa demais e quase nada eles conseguiram tirar de dentro. E disse que cada família precisou se ocupar com a própria casa, de forma que não puderam se ajudar mutuamente, D. Isaura contou que nem mesmo a compra do mês feita no dia anterior eles conseguiram retirar. Perguntei ao Jerônimo se ele sabia onde estava guardada a compra do mês. Ele disse que sim, mas do que adiantava perguntar isso agora?

Era hora de ação e não de palavras. Segurei forte a mão do meu tão estimado amigo e literalmente o puxei águas adentro. Então ele se animou. Ao entrarmos na sua casa, uma caixa grande que continha toda a compra do mês estava no alto, em cima das paredes do quarto da Nancy sua irmã, sobre um suporte de madeira feito por dois caibros e ainda estava sequinha. Tiramos a compra do mês, toda a roupa restante e quase todos os móveis da casa. A água estava muito alta e tivemos que parar, mas quase nada restava lá. Uma hora depois, a água subira demais e apenas o telhado aparecia. Lamentavelmente, vimos o telhado se mover e a casa ruir. Não houve vítima e nem feridos, graças a Deus. O Sr. João e D. Isaura ficaram na casa do Sr. Beazino. Já o Jerônimo aceitou passar uns dias na minha casa. Então, tudo começou a voltar ao lugar novamente. Naquela noite, de madrugada, o Jerônimo leve um pesadelo e acordou gritando. Demos todos muitas risadas por isso.

Dois dias depois houve uma outra enchente ainda maior. Desta vez o rio Pomba havia subido um metro a mais do que a primeira vez. Lembro-me bem do Jerônimo me dizendo: “O estrago que a enchente podia me fazer, ela já fez. Então agora eu vou é admirar esta segunda enchente”. E eu achei isso maravilhoso, porque tanto eu como o Jerônimo havia aprendido a olhar o lado bom de todas as coisas.De bicicleta, nós andamos muito pelo município admirados com a força que a natureza podia ter. Dois meses depois, Jerônimo e sua família estavam morando em uma nova casa com um grande quintal, no morro do Cabibó, um bairro alto da cidade. Tudo havia se ajeitado e a paz voltava a reinar.

Já no segundo grau, eu estudava à noite e as manifestações mediúnicas se faziam mais fortes e mais visíveis. Eu tinha uma namorada de Dona Euzébia, uma cidade vizinha chamada Leninha. Eu e ela e suas muitas colegas do vilarejo do Jacaré estudávamos juntos. Foi quando eu percebi o quanto podia ajudar as pessoas com meus dons mediúnicos, mesmo sem que elas soubessem disso. Descobri que podia conversar com a mente das pessoas enquanto elas dormiam. E, ainda melhor, no dia seguinte, quando elas acordavam, a idéia que eu havia posto na mente delas estava lá. Elas, sem saberem do acontecido, pensavam que a idéia era delas e ficavam muito empolgadas e animadas para colocá-la logo em ação.

Então, comecei a compreender a responsabilidade que eu tinha nas mãos e que precisaria de orientação. Foi nessa fase que uma entidade espiritual, um preto velho muito amável, começou a me instruir sobre o mundo espiritual. Era uma entidade de muita luz e de extremo amor. Tinha profundo conhecimento sobre as coisas. Fui orientado a subir as montanhas por diversas vezes em retiro espiritual, onde aprendi muito sobre o mundo espiritual, os segredos da floresta e o podei espiritual e curativo das plantas. Também foi nessa época que descobri que podia com muita facilidade, invocar os espíritos animais. Foi também quando aprendi a silenciar a mente para escutar a voz do Grande Espírito que está em todas as coisas.

Por diversas vezes, subi as montanhas em caminhadas junto com muitos dos meus amigos, pois eu tentava compartilhar com eles as maravilhas que via. Impotente, assisti um grande número de meus amigos e conhecidos, pessoas que eu amava, cair no vício das drogas. Eles começavam com a maconha. Diziam que aquilo era uma maravilha e defendiam seu uso dizendo que estavam numa boa. Começavam a ter explicações para tudo e viviam em uma cegueira racional completa. Seis meses depois, já se tornava visível os sinais de degeneração na personalidade deles. Eles tinham depressão, pitavam todos os dias e não admitiam que já estavam viciados. A maioria deles passou para drogas mais fortes, talvez em busca de uma solução para o vazio que os corroia por dentro. Grandes amigos meus foram prejudicados pelas drogas. Malditas sejam as drogas!

Certa vez, um rapaz já maior de idade, da cidade de Ubá, durante as comemorações da semana portuense, junto de um outro rapaz que sempre gostei muito, veio me oferecer drogas para comprar. Surpreso, perguntei a eles porque me ofereciam essas coisas já que eu não usava drogas e nem precisava destas coisas. O rapaz de Ubá, indignado com a minha resposta, rebateu dizendo: “Aí careta, fica dando uma de gostosão, mas até seu irmão compra o meu bagulho”. Maldito foi esse momento, pois quebrei os dentes da frente e o braço direito desse rapaz. Ele estava inconsciente no chão quando retirei do bolso dele um saco plástico com maconha e muitos vidrinhos de lança perfume caseiro que na época chamávamos de loló. Joguei tudo de cima da ponte dentro do rio. Naquela época a polícia não brincava em serviço, era o final da ditadura. Então, não houve queixa na polícia devido ao grande número de testemunhas que me viram tirar as drogas do bolso dele. Sendo assim, ele escolheu ficar quieto e ainda se manter escondido, pois o molho poderia lhe sair mais caro que o peixe. Atribuo minha reação à impulsividade da juventude. Até hoje me arrependo disso.

Sempre houve aqueles que me ofereciam um cigarro dessa droga, mas eu sempre recusei porque meu sentir acusava não ser isto a coisa certa. Tive todas as oportunidades possíveis de usar drogas, mas nunca usei qualquer tipo delas. Quando fiquei sabendo que um irmão meu havia se envolvido com tais coisas, entendi que não era hora de passividade. Deixo aqui relatado que desde criancinha eu sempre soube que vim para dar início a uma obra sagrada que ajudaria a humanidade. As vezes, o ego inflava e eu me sentia grande com isso, mas então me recordava da lição do touro araçá e me mantinha na humildade.

Em 1984, senti que meus dias em MG haviam terminado. Eu andava sempre duro. Não tinha dinheiro nem para namorar. A passagem para Dona Euzébia era cinqüenta centavos e houve uma vez que tive de voltar a pé por que nem isso eu tinha no bolso. Minha família vivia uma crise financeira devido à Souza Cruz e os seus cigarros já prontos. Dois de meus tios donos de confecção, por razões que nada tinha haver comigo, me negaram um emprego modesto para que eu pudesse fazer a faculdade. Minha intuição me apontava São Paulo. Foi quando procurei um homem de nome Ailton, que era um dos dirigentes do Bradesco e morava na minha cidade. Pedi a ele uma oportunidade de emprego, pois eu precisava começar minha vida. Mesmo com pouca roupa e quase sem dinheiro, eu vim para São Paulo. Cheguei numa segunda-feira e em uma semana já estava empregado no banco Bradesco da Cidade de Deus. Nos exames escritos eu me saí muito bem, mas no exame de datilografia sei que foi o Ailton quem deu uma força. Uma das poucas pessoas na vida que me ajudou de verdade foi o Sr. Ailton. Tenho por ele profundo respeito e gratidão. Hoje sou um homem muito abençoado no mundo da matéria e, de bom grado, pago a faculdade para um número considerável de jovens. Mas tudo começou com o apoio que ele me deu. Eu agora estava empregado, quanta bênção!

No ambulatório da Cidade de Deus, conheci um fisioterapeuta espírita e místico cujo nome é Cláudio. Embora bem mais velho do que eu e já com família formada, tínhamos grande afinidade. Nos tornamos grande amigos e através dele adentrei a Rosa Cruz, o que foi muito bom. Certa manhã, antes de acordar, eu tive uma visão: vi um homem branco alto, com cabelos escuros partidos para o lado e costeletas. Ele me olhava nos olhos com muita seriedade. Esse homem apenas me olhava e nada dizia. A sua enorme luz se fazia visível e senti fortemente que ele tinha o universo dentro do peito. Nesse mesmo dia, me encontrei com o Cláudio e ele me contou sobre uma escola de parapsicologia, a Pró-vida. Eu soube na hora que havia encontrado o que vim buscar. Ele me passou o telefone, eu telefonei e peguei o endereço. No dia seguinte, eu já estava lá sendo entrevistado pelo senhor Fausto. Foi quando eu vi uma fotografia grande do homem da minha visão. Era o Df. Celso Charuri, fundador e idealizador da Pró-vida, falecido em 1981. Sabia que eu seria preparado por um tempo até estar pronto para dar o início à grande obra que vim para apenas iniciar.

Desta parte até eu completar 38 anos de idade, me ocupei em continuar o aprendizado, mas também em juntar dinheiro para quando chegasse o momento de dar início a grande obra. Procurei um emprego estadual, onde eu teria estabilidade, não dependesse de produção. Dessa forma, entrei no Corpo de Bombeiros. A minha escala era 24 por 48 horas, ou seja, eu trabalhava um dia e folgava dois, o salário era pouco, mas garantido. Além do mais, eu tinha 20 dias livres por mês à minha disposição. Eu sempre costumava dizer aos outros: “O arroz e o feijão o Corpo de Bombeiros garante, a mistura eu busco fora!”

Comecei a vender mel puro que trazia de MG. Certa vez eu vendi, em um só mês, mil e quinhentos quilos de mel só no panelão da PM, que é um prédio redondo azul próximo à estação Armênia. Fiquei muito conhecido como o “bombeiro do mel”. No final das vendas daquela semana, um major descendente de japonês, cujo nome é Hitil, que chefiava uma pequena sala no quinto andar, me comunicou administrativamente alegando que eu não tinha uma autorização por escrito para vender mel ali. Que homem mau humorado e quanta prepotência! O coronel que comandava aquele prédio todo me disse para ficar tranqüilo. Ele não iria quebrar a comunicação administrativa daquele major, mas telefonaria para o meu comandante e eu não teria a punição.

Mas tudo bem, eu já havia vendido todo mel que tinha e estava com um bom dinheiro em mãos. Foi assim que dei entrada na minha primeira casinha e me mudei para o interior do Estado, de forma a poder educar melhor meus filhos. Na capital as drogas já faziam grandes estragos! Sempre gostei de juntar dinheiro em silêncio. Como nunca confiei no governo ou nos bancos, eu comprava dólares, O Sr. Collor de Mello em nada me afetou no seu governo quando confiscou as poupanças dos brasileiros. Mas presenciei pessoas morrerem de enfarte devido a esse plano do governo.

Assim toquei minha vida e criei minha família. Meus filhos cresceram fortes, sadios e com muita responsabilidade. Já no interior, resolvi fazer a faculdade de Teologia, coisa de que muito gostei. Também costumava passear na fazenda Nova Gocula dos Hare Krishnas, que fica em Pindamonhangaba, no bairro Ribeirão Grande. Lá conheci um devoto que cuidava da cozinha de lá, seu nome é Haracanta. Este sim era um bom devoto. Era sempre um dos últimos a se deitar e um dos primeiros a se levantar. Certa vez eu lhe dei um pote de mel puro. Ele, sem qualquer hesitação disse na hora: “Que bom, vou pôr este mel no bolo que farei à tarde para servir a todos”, A sinceridade e o senso de solidariedade desse homem me fascinaram.

Para aprimorar ainda mais meus estudos, certa vez eu resolvi passar uma semana com eles e estudá-los melhor. Eles ensinavam que nossa alimentação é sagrada e que tomar um banho de rio todas as madrugadas assim que se levantavam, era uma forma de começar o dia se limpando das impurezas. Durante à noite, no alojamento, um jovem devoto moreno me contava a história de que existia um oceano branco como leite e nele havia peixes tão grandes que comiam cardumes de baleias todos os dias. No final, me perguntou se eu tinha a capacidade de acreditar nele. Respondi, sorrindo muito: “Conheço apenas o oceano da terra que é azul esverdeado, onde as baleias são os maiores víveres do planeta todo. Acho que as baleias de lá se reproduzem como os coelhos ou já estariam extintas. Haja baleias nesse oceano, né, moreno! Ele ficou sem graça e parou com as historinhas. Então, fomos dormir. Às três e meia da manhã, eles tocaram um trombeta que era uma concha. O som era bonito”.

Era o sinal para todos se levantarem, e tomar o seu banho matinal e irem para o templo dançar. Era mês de julho, mês de inverno e ali é a Serra da Mantiqueira, próximo a Campos do Jordão. O frio era mesmo intenso e a serração vinha fazendo ondas no ar. Mas quem sai na chuva é para se molhar. Coloquei um short, desci ao córrego até onde ele formava uma piscina natural, molhei primeiro a fronte e os pulsos, criei coragem e mergulhei na água. Um minuto depois eu não sentia mais frio, mas também não sentia as mãos, o rosto, os pés, eu não sentia mais nada!

Como não apareceu nenhum dos devotos Hare Krishnas, eu subi de volta. Pensei talvez que tivesse descido no local errado. Ao me aproximar do alojamento, um jovem descendente de japonês, cabeludo e muito simpático, de nome Paulo, me olhando espantado disse, visivelmente admirado: “O senhor tem uma mente muito forte, porque convencer o corpo a entrar no rio com todo este frio não é nada fácil”. Daí quem ficou surpreso fui eu. Perguntei a ele há quanto tempo ele já se encontrava naquela fazenda e ele me respondeu: “Amanhã faz trinta dias. Amanhã irão cortar o meu cabelo e eu serei aceito como devoto”. Caramba, ele estava ali já há 30 dias e estava surpreso de eu ter entrado no rio de madrugada? Algo estava muito errado! Segui para o alojamento e me deparei com todos os devotos tomando um belo banho de chuveiro. O único trouxa pelo jeito fui eu.

Segui com todos para o templo e os observei dançarem músicas lindas tocadas por instrumentos maravilhosos. Foi muito bonito. Assim que amanheceu e após todos nós nos alimentarmos bem, resolvi andar a divisa dos 62 alqueires daquela fazenda. Foi outra surpresa. Do alto da serra se via a fazenda quase inteira e eu não vi uma única horta, nem mesmo um canteirinho ao menos. Mas nem mesmo um pé de mexerica que fosse. Mas então aquela história toda de se alimentar com cuidado, de plantar e colher o próprio alimento, como ficava?

Quando retomava, parei em uma casa velha, onde eles guardavam livros, que tinha uma grande piscina rachada e abandonada. Eu estava ali a pensar, quando passou por mim um devoto muito velhinho. Era tão velhinho que, para andar, ele movia os pés sem tirá-los do chão. Ele arrastava seus pezinhos delicados pouquinho a pouquinho. Esse velhinho tinha muita luz e transmitia muita paz. Ali permanecendo um pouco mais, percebi um galhinho de laranjeira, com rala folhagem bem no meio, acima de um capinzal de colonião com uns dois metros de altura. Isto sim me chamou muito a atenção.

Entrei no capinzal e descobri vários pés de frutas ali abandonados e muitos deles já mortos. Então, descendo até o alojamento, disse a um rapaz moreno, o dos peixes que comiam bandos inteiros de baleias: “Encontrei um pomar inteiro abandonado no meio de uma capinzal. Não acha isso estranho?” Ele me respondeu que aquele pomar havia sido formado por um devoto antigo dali. Mas que agora estava muito velhinho e não tinha mais força para cuidar das fruteiras. Qual foi minha surpresa, o velhinho que arrastava os pés era quem havia formado o pomar. Perguntei ao moreno por que ele não cuidava do pomar. Então, ele respondeu que não nasceu para fazer essas coisas. Prefiro nem escrever aqui o que pensei nessa hora! Então me dirigi ao Harakanta e lhe disse com muita seriedade: “Andei toda a divisa desta fazenda, não vi nenhuma horta. Encontrei um pomar morrendo as mínguas por falta de cuidados, no meio do colonião. De onde vem o alimento que vocês cozinham, Harakanta?” Ele olhou, me observou por um milésimo de segundo e em seguida me levou para detrás da cozinha onde havia um monte de caixas do Ceasa e disse: “Nós nos preocupamos mais em vender os livros e os incensos. Nem sempre se é possível conciliar a teoria com a realidade, Emiliano. Precisamos nos adaptar sempre.” Então compreendi.

Nada havia de errado ali. Eles faziam aquilo que era necessário para sobreviverem da melhor forma possível e ainda disseminarem a filosofia que viviam. Quanto ao moreno das historias fantásticas, entendi as necessidades dele de crer em tais coisas. Aprendi muito com os Hare Krishinas e nutro por eles um profundo respeito. Só quem não os conhece como eu os conheci, é que fala mal deles ou da filosofia que seguem. Ali não é o meu caminho, mas afirmo a todos que é um bom caminho. Sei que chegará o dia em que eles terão hortas e pomares próprios.

Lá dentro há boas pessoas. Há também aqueles que apenas se escondem por detrás desse movimento. Mas aí o problema é a pessoa e não a filosofia. Comentei com o Paulo japonês que em breve eu iria montar uma comunidade semelhante àquela, só que com muito mais magia. Ele, me olhando feliz, disse que gostaria muito de vir conhecer quando eu a montasse. Neste ano de 2007 irei atrás dele.

Alguns anos depois, eu, com uma outra pessoa, havia arrendado um sitio pequeno. Começamos a retirar das ruas os bêbados e mendigos e levá-los para morar naquele sítio. À noite acendíamos uma fogueira grande e sempre vinha nos visitar o Lanterninha, que era um vaga-lume muito grande. Podíamos vê-lo de longe, quando ele saía da mata, porque ele se destacava dos demais vaga-lumes. As entidades espirituais sempre nos visitavam, mas nem todos ali podiam perceber isto. Por diversas vezes os habitantes magros e esguios da cidade subterrânea de Aurora vinham nos dizer um olá. São eles irmãos maravilhosos.

 

A VISÃO

Com 38 anos de idade, eu retornara à Osasco. Minha família já estava formada, meus filhos já estavam bem crescidos e capazes. Poderia ter comprado ou alugado qualquer casa daquele bairro, mas escolhi morar em uma pequena casinha nos fundos da casa do meu sogro, pois ali moravam muitos primos e parentes, então a segurança era maior e era por isso que eu zelava. Agora eu até tinha a internet em minha casa. Que coisa maravilhosa é a tecnologia a favor do sagrado! Numa manhã de domingo, eu tive uma visão que novamente mudaria a minha vida. Nessa visão, eu havia levantado de minha cama e ia até a janela do quarto. Então vi que no quintal havia um grande pé de ipê amarelo todo florido e em seus galhos estava pousada uma arara vermelha linda. Eu olhava a arara vermelha e ela ficava também me olhando com um olhar diferente, como uma mescla de profundidade espiritual e tristeza.

Então acordei e havia em minha mente uma palavra impressa que eu nunca na vida havia ouvido: “Xamanismo”! Liguei o computador e acessei a internet. Entrei na busca do UOL e digitei a palavra “xamanismo”. O resultado foram inúmeras páginas. Havia, só na primeira página, um grande número de links de sites xamânicos. Houve um entre os demais que minha intuição acusou na hora. Então eu cliquei nele. Foi a primeira vez que eu havia entrado em um site de xamanismo. Foi a primeira vez que tomei conhecimento da palavra xamanismo ou planta de poder. Caí num site de um índio que falava sobre plantas de poder e ayahuasca. Eu nunca havia ouvido falar também nesta tal de ayahuasca. Achei tudo aquilo muito estranho. Tinha boa cultura e profundo conhecimento espiritual sobre os segredos da floresta, como nunca ouvi falar neste tal de xamanismo e nesta tal ayahuasca? Essa pergunta me martirizou por algumas horas.

Mas como no site do índio havia telefone para contato, eu telefonei. Atendeu o tal índio, chamado Romã. Contei a ele sobre a visão que eu havia tido e tudo que acontecera desde então. Ele, rindo, me disse que estava tudo certo. Haveria um ritual na sua casa naquele mesmo domingo durante à noite e ele estaria me esperando. Seria um ritual com ayahuasca e eu deveria participar sem falta. A despesa com o ritual era de oitenta reais por participante. Fiquei muito feliz porque percebi que entraria em um novo ciclo de minha vida. Anotei o endereço do índio Romã. Estava muito feliz e com aquele sentimento de “encontrei”. Continuei na Internet, em vários sites de xamanismo. Fui lendo e começando a saber um pouco sobre a ayahuasca, bem como sobre o tal xamanismo. Quanto mais eu lia mais apreensivo eu ficava. O xamanismo era tudo o que eu já praticava há muito tempo. Nada do que eu lera ali era novidade pra mim, com exceção da tal da ayahuasca. Conhecia na prática tudo aquilo que sabia que a maioria das pessoas apenas teorizava. Mas por que então eu nunca havia ouvido sequer a palavra xamã ou xamanismo?

Havia algo errado. Minha mente estava tomada por uma grande sensação de que o mundo espiritual havia se escondido de mim, propositalmente: todos os livros e manuscritos, qualquer forma de literatura que fosse relativa a ayahuasca e ao xamanismo. Conheço minha intuição e nunca duvido dela. Mas, então, o que o astral superior não queria que eu soubesse? Por que eu não deveria saber, seja lá o que fosse? Fosse o que fosse, sabia que naquela noite tudo ficaria às claras.

Convidei o meu filho Júnior para participar também, caso desejasse. Como sempre, ele topou na hora e à noite fomos para a casa do índio Romã participar do ritual. Lá chegando, percebi uma boa energia. Um garotinho de nome Tomas foi quem atendeu. Ele é filho da Cristina, esposa do Romã. Fiquei conhecendo a Cristina e o Romã. Muito me simpatizei com eles. Senti no Romã havia um conhecimento ancestral grande, mas também senti nele certa energia nociva de dinheiro.

Em pouco tempo, chegaram algumas pessoas também para o ritual. Foram estendidos alguns cochonetes e cobertores no chão. Nos foi servido em um copinho de café, um fundinho da tal ayahuasca. Nada aconteceu. Nos foi servido novamente um outro fundinho. Nada de novo. Pela terceira vez, um outro fundinho de ayahuasca e o Romã me disse que eu devia estar ansioso. Respondi que não. Seja lá o que fosse, eu sabia que não era comigo. Mas voltei a deitar e dei uma mãozinha rebaixando meu cérebro conscientemente para o nível de teta, tal qual aprendi na Pró-vida. Foi então que aconteceu. A princípio havia uma grande luz. Em seguida, eu havia voltado à minha última encarnação. Eu estava na tribo dos Lakotas novamente, eu estava em casa. Junto com milhares de irmãos e irmãs e a Grande Paz se fazia presente. Mitakue Oasin reinava. Me conheciam pelo meu nome espiritual Gideon, mas havia um outro nome que me chamavam desde criança. Tive o privilégio de nascer filho de um grande xamã, que na tradução seria algo assim como homem sagrado ou xamã de branco.

Nessa tribo, quando ainda bem menino fui iniciado na arte das curas e dos espíritos pelos xamãs mais velhos e me aprofundei muito nesta esfera. Dentre os curadores, cheguei a ocupar a posição de curado r consagrado, após severos testes. Esta foi um encarnação de muitas provas.

Nós, homens, estávamos fora em um ritual quando sentimos dores em nosso plexo solar e a tristeza era visível no avô sol e nas nuvens de elementais que chegavam a nós. Quando chegamos, nos deparamos com algo que, mesmo agora, me é difícil descrever. Então revivi toda a intensa dor de minha última encarnação. Revivi o grande massacre e todo o sofrimento que foi gerado a nós. Compreendi porque o astral superior havia retirado de mim toda a consciência daquela vida. Eu, juntamente com vários outros xamãs, havíamos jurado vingança contra a raça branca séculos atrás. E isso é algo muito sério quando parte de espíritos que já ocupam a posição de xamãs. Somos fiéis à palavra empenhada e o tempo não afeta nossas decisões. Por séculos, em silêncio, mantive esse fogo dentro de mim e por esta mesma razão levei séculos para poder reencarnar. Quando estava para reencarnar, prometi ao meu povo que levantaria a bandeira do bom caminho vermelho entre todos os povos e deixaria bem demonstrado a firmeza e o amor dos Lakotas. Contudo, escondido dentro de mim, ainda havia o intuito de dominar a ciência dos brancos e provocar um grande extermínio. De todos nós xamãs, que fizemos o juramento, somente eu ainda insistia em cumprir aquele intento. Mas o Grande Pai que tudo vê sabia da mágoa que ardia em meu coração.

Então, retornei. Agora estava ali, sentado ao lado de uma fogueira feita pelo índio Romã, com meu filho e outras pessoas em volta. As lágrimas rolavam, toda as dores de antes estavam ali novamente. Mas desta vez eu precisava perdoar. Precisava perdoar principalmente a mim próprio por não ter conseguido fazer nada em relação ao grande massacre. O Romã me perguntou por que eu chorava. Respondi que era por meus irmãos mortos. Ele perguntou se eles haviam morrido em São Paulo. Então vi que ele não sabia o que se passava e apenas balancei a cabeça. Finalmente, após um período de choro, encontrei forças para perdoar, e séculos de magoas se foram junto de minhas lágrimas naquela fogueira. Vou tentar pôr em palavras toda a consciência que me foi devolvida naquele trabalho inclusive, sobre o grande massacre que eu e muitos irmãos presenciamos ainda ontem, quando o irmão Tatanka era nos campos como as estrelas são céu.

Vivíamos em paz e livres. O Grande Espírito se fez ao nosso redor. O trovão era sua voz e nas asas do vento ele caminhava e passeava com nossos espíritos. A mãe Terra cuidava de nós, o avô Sol sorria feliz e a irmã Lua, sempre irradiando suas bênçãos ao nosso povo, dizia-nos: “Amo vocês, irmãos. Mitakue Oasin.”

Mitakue Oasin significa “Somos todos irmãos”. Temos a consciência do real significado desta frase. O grande irmão búfalo era a nossa força e nossa raiz. Dele provinha nosso sustento e seu couro nos dava roupagens e tendas, “tatanka” em minha língua. Nos tornamos um portal do céu em um planeta, nossa vida andava na luz e nos conformes do astral superior. Por isso, minha tribo Lakota sempre foi conhecida como a tribo do pai dos xamãs, pois fizemos da integração com o universo um meio de vida.

Estávamos fora, em ritual com os espíritos da natureza, e pela primeira vez vimos o irmão vento anunciar desgraça. O olhar do avô Sol estava triste, a mãe Terra parou. Em grandes nuvens, os amados elementais sobrevoam as planícies em clara demonstração de desgosto. Paramos os rituais e retomamos com os nossos cardíacos pesados e nossos plexos solares com dores. Ao retornarmos a nossa tribo, uma cena indescritível por palavras humanas nos aguardava: eram milhares ao todo, mulheres, velhos e crianças foram massacrados e mortos! Vimos nossas famílias, mulheres, pais, filhos e filhas estirados em um chão manchado de vermelho com o sangue daqueles que amávamos. A raça branca havia chegado e junto deles a ganância e o insaciável desejo do TER.

Ó, Grande Espírito, por quê? Nada sabíamos ou entendíamos. Apenas a dor quase que insuportável se fazia presente… Mas nossa natureza guerreira em espírito nos mantinha firmes. Chegaram nossos irmãos de muitas outras tribos, incluindo a nossa tribo mãe, os Sioux. Um grande ritual xamânico voltado à guerra aconteceu. Usando de todo conhecimento real de xamanismo e magias, despertamos os animais de força na forma física em centenas de irmãos… O vento, o trovão e a força estavam em nós Partimos para a batalha contra o algoz de nosso povo, um povo com pés diferentes dos nossos. Com os corpos transformados, os atacamos em campo aberto e chance alguma eles tiveram tal qual fizeram com os nossos amados já velhos ou nenéns. A batalha foi rápida e impiedosa. Não houve prisioneiro ou feridos da raça branca e nenhum deles permaneceu com o coração no peito. O que podiam eles contra a magia do xamanismo voltada para guerrear? Raça cruel e insana, como lhes chamar de irmãos? Os vermes imundos do limo têm muito que aprender com vocês!

Grande Espírito, por quê? Por que, ó Misericordioso!? O que fizemos de errado, Grande Espírito, para que tal mal assolasse agora nossa alma? Presenciei meus irmãos morrerem em batalha porque desejavam morrer, ou se matarem após o último daqueles com pés estranhos ter o coração arrancado. Senti o peso do meu povo em minhas costas. Vi os ainda vivos e com seus corpos ainda transformados lançarem um olhar de agradecimento ao ritual realizado, então se matavam e partiam para o encontro da Grande Luz. Para onde ir, o quer fazer, como suportar aquela tristeza e, ainda pior, como compreender o que havia se passado? Três dias depois desencarnei por desgosto.

Raça branca, de que adiantou? Nós voltamos, estamos aqui! Embora agora em corpos de brancos permanecemos ainda Lakotas em espírito e estamos nos reunindo de novo. Muitos de nós juntos já nos encontramos, nossa tribo se reúne. Raça branca, dominamos a sua ciência e entendemos como vocês pensam, raciocinam. Aprendemos a usar o lado esquerdo do cérebro e nos tornamos guerreiros ainda melhores, ficamos mais fortes. O tempo não nos afetou, raça branca, e retomamos para a grande vingança espiritual: “Trazer luz aos corações dos brancos!” Raça branca, vocês não tem escolha. Agora vão se iluminar ou terão que partir. Repararem todo mal que causaram à Mãe Natureza e aos filhos da Terra. Trazer luz ao coração da raça branca é a grande vingança Lakota, e ainda lhes chamaremos de irmãos. Somos todos irmãos. Mitakue Oasin voltará a reinar.

Após terminar, já de madrugada, o Romã me disse: “Você tomou uma dose cavalar de ayahuasca”. Fiquei admirado com o que ele havia dito, afinal toda a ayahuasca que ele me dera não dava sequer 50ml. Depois, ele me disse que ayahuasca era o mesmo SANTO DAIME. Nem mesmo a palavra SANTO DAIME eu ainda havia ouvido falar. Mas é assim mesmo, o astral superior nada faz mal feito. Paguei ao Romã cento e sessenta reais pelos trabalhos meu e do Juninho. Nos despedimos e fomos embora.

Quando acordei fui direto para a internet. Agora eu iria pesquisar muito sobre a ayahuasca ou SANTO DAIME. Descobri que haviam várias igrejas do SANTO DAIME ali mesmo na capital de SP e proximidades. O Céu de Maria, no Pico do Jaraguá (Glauco e Bia); o Céu da Lua Cheia, em Itapecerica da Serra (Leo Artese); o Céu Nova Era, em São Lourenço; o Céu da Mantiqueira, em Camanducaia (Chico); o Céu de Midan, em Sorocaba e muitos outros. Descobri que os dirigentes das igrejas recebiam o nome de padrinho e madrinha. Dessa parte eu gostei muito, porque onde eu nasci, para o batismo, nossos pais convidavam sempre duas pessoas que eles consideravam amigos, para se tornarem padrinho e madrinha da criança batizada.

Então, resolvi ir ao Céu da Lua Cheia, em Itapecerica da Serra, onde o padrinho era um homem de nome Leo Artese. Consegui o número do telefone e liguei. Me atendeu um rapaz de nome Caio. O telefone era de um restaurante na cidade. Fui até lá e conversei com eles. Nenhuma entrevista aconteceu. Nenhuma palestra foi dada. Eles apenas me disseram o preço, que era 20 reais por pessoa, e que haveria um ritual de lua cheia no próximo sábado. Eu disse que queria ir e eles me explicaram como chegar lá. No sábado de lua cheia, eu e meu filho Junior fomos ao Céu da Lua Cheia. Como o bom mineiro não perde o trem, procurei chegar muito mais cedo do que haviam me orientado. E isso foi muito bom porque não foi tão simples, achar o local, mas com a ajuda de moradores locais na beira da estrada de ferro conseguimos.

A princípio, fiquei observando muito e havia poucas pessoas. A energia do local que vinha da mata era muito boa, mas a energia que vinha dos participantes era pesada. Havia ali algumas pessoas com as quais eu me identificava. Mas, mesmo assim, percebia nelas uma energia densa. Também percebia muita arrogância em muitas das pessoas que freqüentavam ali há mais tempo. Havia um certo ar de autoridade imposta. Uma mulher dizendo ser médica estava nervosa porque havia enfiado seu carro dentro de um buraco, quando fora encher um galão de 20 litro com água potável. Aquela mulher estava visivelmente fora de sintonia e chegava inclusive a ser agressiva com os demais. Procurei me aproximar e ela se afastava.

Havia lá um rapaz que morava próximo e treinava corrida que foi tirar o carro dela do buraco. O rapaz me pareceu uma boa pessoa e eu me ofereci para ir junto, Andamos por uns 20 minutos no máximo e nos deparamos com o carro da médica. Era um carro bem velho. Um Chevette antigo, marrom e em péssimo estado. Não havia caído em buraco algum, apenas estava atravessado na estradinha de chão de tal forma que bastou uma pequena manobra para tudo resolver. Isso me fez ficar muito pensativo. Ou aquela mulher era mesmo uma péssima motorista ou havia algo de muito errado com ela. Teria ela bebido? Estaria ela drogada? Aliás, seria mesmo uma médica? Ao retomar, entreguei as chaves do carro a ela e pude perceber que ela não cheirava a álcool, mas chupava sem parar balas de hortelã. Sabia o que geralmente isso significava. Percebi que havia chegado uma espiritualidade semelhante às que acompanhavam a umbanda, mas definitivamente eram de pouca luz e demonstravam muita ansiedade. Lidar com a espiritualidade nunca me foi difícil e o domínio no manuseio das energias é coisa que já trago de outras vidas. Apenas me mantive firme e em paz, mas cobri com um manto energético de proteção o Juninho e a todos que estavam ali pela primeira vez.

Então, chegou à hora do ritual e já havia ali, acredito, umas 25 pessoas. Disseram que eu fosse até uma cabana de madeira. Eu e meu filho nos dirigimos para lá achando que agora haveria alguma explicação sobre o daime e sobre como aconteceria o ritual. Mas, que nada, apenas assinei um livro e paguei vinte reais que cobravam. Não houve nenhuma explicação ou palestra. Não houve qualquer orientação ou explicações nem a mim, nem ao meu filho e nem a outros que ali também estavam pela primeira vez. Fomos para dentro da igreja sem ao menos ter noção do que lá aconteceria. Não precisa ser uma pessoa muito experiente para perceber que as coisas certas não são assim.

 

O RITUAL

 

Dentro da igreja do Céu da Lua Cheia

, observei que homens e mulheres ficavam separados, um de cada lado da igrejinha. Disso eu gostei muito. As mulheres usavam saias brancas compridas e os homens calças brancas. No centro havia uma mesa redonda com a forma de uma estrela. Alguns músicos estavam sentados. Os membros de lá tinham um hinário na mão. Em seguida foi aberta a sessão e começaram a servir o daime ou ayahuasca. Vi que o moço do restaurante, o Caio, era quem servia o daime a todos, sempre no mesmo copo. Questionei a mim mesmo o porquê deles não usarem copos descartáveis, assim seria higiênico e não haveria o risco de transmissão de alguma doença como a hepatite, por exemplo.

Enfim, provei do tal SANTO DAIME. Deram-me um copo americano cheio. O gosto era forte e ácido. O cheiro me lembrava um pouco o vinagre. Então, me lembrei do Romã dizendo que no ritual dele que eu havia tomado uma dose cavalar. Que história furada aquela! Todo o daime que tomei com ele durante todo o trabalho não chegou sequer a 50 ml. Esse foi o primeiro contato com o comércio que tive dentro do SANTO DAIME ou com a ayahuasca.

Após todos terem ingerido o daime, os músicos começaram a tocar e todos começaram a cantar. Em vinte minutos comecei a ver uma infinidade de cores. Houve uma explosão de cores maravilhosas e depois aconteceram às visões que eles denominam de mirações. À medida que todos cantavam os hinos, as mirações começavam e, conforme o cântico terminava as mirações acabavam. Eu estava maravilhado. Nunca havia passado por uma experiência assim tão intensa. O tempo e o espaço deixaram de existir, coisa que eu já estava acostumado, pois sempre ia para a quarta dimensão durante os exercícios de meditação que fazia com freqüência. Mas com ayahuasca era muito mais intenso e maravilhoso. Eu estive consciente o tempo todo. Embora eu estivesse em pleno contato com o mundo espiritual, também me mantinha em contato com o mundo da matéria. A minha percepção havia se ampliado muitas vezes e isso era fantástico. Podia ouvir e ver de uma forma que nunca antes eu havia ouvido ou enxergado. A clarividência e a clariaudiência eram plenas.

Depois de um tempo, todos nós tomamos mais um copo americano de daime. Aquilo que já era intenso se tornou ainda mais. Eu estava encantado. Pensei mesmo ter encontrado o paraíso, a pedra filosofal. Um tempo depois senti náuseas. Saí da igreja procurando um banheiro e um dos fiscais me disse para seguir uma trilha que daria no banheiro. Assim eu fiz. Segui aquela trilha para dentro da mata acredito que por mais de 50 metros e por fim achei uma barraca de lona onde dentro havia uma fossa coberta por uma tábua furada que servia de privada. Vomitei um pouco. Quando retornava, me deparei com um rapaz que também procurava o banheiro, mas estava visivelmente confuso. Ele não sabia se estava indo ou voltando. Conversei com ele, o segurei pelo braço e o levei ao banheiro. Vendo o estado daquele moço e o fato de que até então ele estava sozinho, fiquei um pouco preocupado com o meu filho. Ele vomitou também e depois eu o acompanhei de volta até a igrejinha. Foi então que vi que havia muita gente vomitando ali mesmo próximo a igreja. Eram tanto as pessoas mais antigas quanto as que iam pela primeira vez.

Entrei na igrejinha e não vi o meu filho. Voltei, perguntei aos fiscais que estavam ali fora e eles não souberam me dizer nada de concreto. Ainda vieram com uma história de que eu não me preocupasse com o meu filho porque tudo estava bem. Então perguntei a eles: “Se podem afirmar que está tudo bem, me digam onde o meu filho está”. Eles ficaram com um sorriso amarelo, sem saber o que falar e dei as costas para eles e fui procurá-lo em volta da igreja. De irresponsáveis sorridentes o inferno está cheio. Achei o Juninho se apoiando em uma árvore vomitando também. Conversando com ele vi que ele estava bem e tão lúcido quanto eu. Orientei a ele que evitasse sair de dentro da igreja e eu também fiz o mesmo. Contudo, era claro que os fiscais deveriam acompanhar os iniciantes. Na maior parte dos iniciantes falta à firmeza necessária. O ritual continuou e tudo foi lindo. Depois, deram um intervalo e acenderam uma fogueira, mas tanto eu quanto o Junior permanecemos dentro da igrejinha. Havia alguns rapazes que comiam bananas e nos ofereceram. Meu Deus, que delícia! Eu nunca havia comido uma banana tão gostosa. Até o paladar a ayahuasca havia ampliado.

Uma moça muito simpática, de nome Daniela, se aproximou e perguntou meu nome. Depois me perguntou como eu estava. Respondi que muito feliz e que durante o ritual eu havia reencontrado antigos conhecidos de jornadas. Senti por está moça uma profunda ternura. Desde esse dia eu guardo essa moça no meu coração e tenho por ela um carinho de irmão. Percebi que esta moça passava por problemas financeiros, pois, quando lhe dei um pote de mel puro e ela disse que o usaria fazendo um ritual dentro da floresta, para conseguir uma solução financeira. Sei que as coisas da matéria não se resolvem assim e que aquele ritual não ia resolver de verdade. Pensei em auxiliar Daniela financeiramente, mas minha intuição me disse que não. Mesmo hoje eu às vezes me lembro dessa irmãzinha. Como será que ela se encontra e que caminho terá tomado? Será que, assim como muitos que ali conheci, também se perdeu nas drogas? Será que ela hoje é mais um daqueles que, em defesa da maconha santa maria, praguejam contra meu nome devido às verdades que exponho a todos e que a ciência inclusive confirma? Às vezes penso em procurá-la e ver como ela está. Por diversas vezes eu lhe presenteei com vidros de mel puro. Na época ela tinha uma filhinha e sérios problemas com o aluguel. Muitos anos se passaram, mas às vezes me recordo dela e penso em lhe dar uma casa de presente se ela ainda pagar aluguel. Quem sabe se eu a encontrarei novamente.

Algum tempo depois começou novamente o ritual. O coral começou a cantar hinos para Yemanjá. Senti quando uma grande luz amarela esverdeada adentrou naquela igrejinha e me deu um abraço enorme. Entrei em um êxtase ainda muito maior do que o que eu já me encontrava. Senti ser um abraço de uma mãe para um filho. Como sorri, como fiquei feliz. É impossível colocar tais coisas em palavras. A noite seguia em cores e mirações e de vez em quando passava um trem na ferrovia próxima à igrejinha, mas que em nada me atrapalhava. Foi a experiência mais incrível que eu já vivenciei nesta vida. Pude ver com clareza o poder que a ayahuasca contém. Ao final do hinário se encerrou o ritual.

Conversamos com muitas pessoas, inclusive com os mais antigos que tinham o nome de fardados. Pude perceber que eles estavam aéreos, pensei que talvez fosse cansaço. Procurei não falar do meu trabalho e continuando a conversa, com muito jeitinho, consegui que eles me contassem um pouco do trabalho deles. Definitivamente eles não haviam entrado no êxtase e nem mesmo percebidos a presença da Yemanjá. Isto me fez ficar muito pensativo, pois já conhecia bem as leis da causa e efeito, e a lei do merecimento. Percebi também que muitos grupinhos com homens e mulheres entravam floresta adentro. Pensei: “Acho que eles vão ver o sol nascer em algum local mais alto”. Muito, mas muito felizes, eu e meu filho entramos em nosso Gurgel e fomos embora. Naquele mesmo domingo, durante à tarde, eu já ansiava por um próximo trabalho. Recordando todo o acontecido, eu mantinha um sorriso largo no rosto.

Na segunda-feira à tarde, entrei na Internet e intensifiquei em muito as pesquisas que queria fazer. Queria saber como era aquele cipó e o arbusto da rainha da floresta. Queria saber como cultivá-los e, principalmente, como é que se produzia o daime. Queria saber a história do SANTO DAIME, de onde ele veio e como ele surgiu. Eu tinha muito tempo livre naquela semana e aproveitei para ir o mais fundo quanto possível. Na terça-feira à tarde, eu telefonei para o Romã. Disse a ele que eu havia participado de um ritual no Céu da Lua Cheia. Conversamos um pouco e então combinamos de nos encontrar à noite na casa dele. Contudo, já estava muito claro para mim que o Romã comercializava com a ayahuasca, com o que é sagrado. Retornei ao Céu da Lua Cheia do Leo Artese por diversas vezes. O uso de drogas é comum entre eles.

 

CÉU DE MARIA

Pela internet fiquei sabendo o telefone do Céu de Maria, que fica no Pico do Jaraguá. Telefonando lá, me confirmaram que haveria trabalho no sábado seguinte, às 20h. Cheguei lá às 18h. A igreja era grande e bonita, acredito que tem capacidade ali dentro para umas 300 pessoas. Observei as pessoas que iam chegando. Pessoas mais antigas, fiscais e as novatas também. Não eram bem recepcionadas, havia um mau humor e certo ar de prepotência nos fardados de lá. Ouvi-os mencionarem, por diversas vezes, o nome do padrinho Sebastião e do padrinho Alfredo, tanto que resolvi me informar melhor. Foi quando alguns deles me disseram que o padrinho Sebastião era o sucessor do mestre lrineu e que ele era a reencarnação do profeta João Batista. Um homem iluminadíssimo que trouxe a doutrina da floresta, o SANTO DAIME, para o sul e para o mundo. Afirmaram inclusive que o padrinho Sebastião era o patrono do SANTO DAIME. Esta afirmação eu já comecei a questionar, com base em todo material que eu havia estudado na Internet. Lá, a história mostrava o mestre Irineu Serra como o primeiro daimista, então como poderia ser o padrinho Sebastião o patrono do SANTO DAIME? E quanto ao Sebastião Mota ser a reencarnação de João o Batista (aquele que prega no deserto), nem precisei questionar, pois era evidente se tratar de uma grande mentira e fanatismo.

Assinei o livro de presença e paguei na época o valor de vinte reais. Sempre tive bom tirocínio comercial, sempre soube avaliar o valor real de qualquer coisa, se está havendo exploração ou não, baseado no custo do produto. Por isto eu pensava: Quanto será que custa um litro de daime? Trezentas pessoas, que é o que imagino que comporta a igreja, vezes vinte reais, são seis mil reais! O litro de daime deve ser muito caro. Mas se é assim tão caro e provém apenas de duas plantas, por que eles não fazem plantios aqui em São Paulo e produzem o próprio daime?

O ritual começou com um grupo de pessoas em pé dentro da igreja rezando a Ave Maria e o Pai Nosso. Eles rezavam, rezavam e rezavam estas duas rezas. Perguntei a um rapaz na entrada da igreja se eles oravam sempre. O rapaz me disse que sempre se abre o trabalho com aquelas orações. Percebi que eles não conheciam a diferença marcante entre o que é uma reza e o que é uma oração, coisa que qualquer pessoa com um pouco de luz ao menos, conhece! Depois esse rapaz me mostrou a fotografia do padrinho Sebastião. Olhei de perto a fotografia, observando atentamente os traços físicos do padrinho Sebastião. Em estudos da alta magia eu já havia aprendido a reconhecer a situação real do espírito encarnado, pelos traços físicos do seu corpo, principalmente os traços que possui no rosto. É a lei da causa e do efeito, a qual atinge o ser humano em todos os aspectos. Definitivamente se tratava de uma pessoa sem luz.

Havia um rapaz no Céu de Maria, cujo nome é Luís. Ele é magro e tem um filho de nome Acauã. Como gostei deste moço! Lamentei muito por vê-lo perdido na maconha, nas drogas. Ele acendia um baseado novo com o final do anterior. Depois ele me contou que estava desempregado fazia tempo, a esposa o tinha largado. Contou que vinha aos feitios para ajudar em qualquer coisa para poder fazer os trabalhos depois. Contou também que o padrinho Valter Dias estava abrindo um novo céu do Cefluris em Pindamonhangaba, próximo aos Hare Krishnas. Eu disse a ele que conhecia bem a região. Passados uns dez dias, junto de um outro rapaz, eu resolvi ir lá para ver de perto como que era o surgimento de uma nova igreja. Cheguei lá e de cara percebi que as drogas já rolavam soltas o dia todo, mesmo ainda sendo apenas a construção. Me surpreendi quando lá vi o Luís do Céu de Maria. Ele tinha um facão na mão e cortava um caibro, mas na boca mantinha um cigarro de maconha. Puxa vida, que tristeza me deu, aquele céu seria mais um ponto de drogas!

Numa outra ocasião, durante um trabalho no Céu de Maria, um homem desmaiou. Caiu tremendo de cara no chão, machucando o rosto. Era apenas um ataque de epilepsia, nada mais. Mas os fiscais ficaram em volta, dizendo para deixarem ele porque era caso de incorporação. Isto não foi o cúmulo. Pedi aos fiscais que se afastassem e comecei os procedimentos de socorro daquele homem. Um rapaz branquinho do cabelo arrepiado se ressentido por eu não acatar as orientações dos fiscais, com estupidez disse para eu parar, porque era uma incorporação problemática e ele ia chamar lá uma outra pessoa da igreja que lidava com estas coisas. Respondi com energia, devido à necessidade da situação: “Moço, já trabalhei como enfermeiro de uma UTI por muitos anos. Isso aqui é apenas epilepsia”. O senhor moreno alto que estava do lado, nada sutil, disse: “Se não vai ajudar também não atrapalhe, seu moleque”. E ainda mandou o rapaz procurar sua turma. Graças a Deus aquele senhor moreno abaixou e começou a ajudar, porque logo em seguida outras pessoas também ajudaram e levamos o paciente para fora do salão de trabalho, onde foram realizados os procedimentos padrões para o caso. Quando tudo passou e o senhor se encontrava apenas na ressaca epilética, um fiscal chegou e disse que haviam preparado um colchão com cobertas num cantinho da igreja. Lá o colocamos e ele ali permaneceu em paz até de manhã.

 

Deixo aqui registrado que continuei a freqüentar o Céu da Lua Cheia do Leo Artese e o Céu de Maria do Glauco e da Bia, por diversas vezes ainda. E tanto em um como no outro o uso de drogas era bem intenso, mas no Céu de Maria a coisa é muito pior.

 

 

A APARIÇÃO

Numa outra ocasião, havia um feitio, que é o nome que eles dão quando produzem o daime. Eu participei junto dos meus dois filhos, Juninho e Leonardo, Lá conheci muita gente. Com alguns deles caminhamos juntos até hoje. Durante o feitio também se serve daime a quem desejar. Fiquei impressionado com a quantidade de gente que pitava maconha durante o feitio. Nossa, como se drogavam! Será que eles não sabiam que aquela energia pesada das drogas que tanto usavam era absorvida pelo daime e que ela passaria a quem o ingerisse depois?

Mas estávamos ali para observar e aprender, então apenas colaboramos com a mão de obra, lavando manivas de jagube, rachando lenha para a fornalha, lavando panos e vasilhas, carregando panelas e ajudando na bateção do jagube. Por vários dias eu participei. Chegava cedinho e ia embora entre as 22h e 1h da madrugada. De um grupo que limpava o jagube, quase todos ficavam um pouco e saíam. Somente eu e um outro homem estávamos firmes ali trabalhando há mais de oito horas. Então, perguntei o nome dele para puxar assunto. Ele me disse que seu nome era Eugênio e que morava em Piedade. Perguntei o que ele sentiu durante àquelas horas de serviço. Ele disse: “Estou aqui no mesmo serviço desde de manhã, que foi quando você chegou. Comunguei o daime e me mantive aqui, como você. Mas as experiências são diferentes para cada um. Passei por diversos estágios. Houve momentos em que senti vontade de parar; vontade de ir embora; vontade de relaxa; vontade de comer e beber. Mas me mantive na firmeza do daime e agora eu posso só parar com alegria no coração”. Fiquei muito admirado com as palavras desse moço. Ele me pareceu uma boa pessoa.

A grande parte das pessoas dali era boa, apenas cometiam o erro de se refugiar na ilusão das drogas, fugindo das obrigações e responsabilidades da realidade que todos nós temos que lidar todos os dias. Durante a noite, o uso das drogas se intensificava ainda mais. Na bateção noturna eles passavam de mão em mão a maconha, a qual denominavam de santa maria. Quando veio para mim eu simplesmente a passei a quem estava do meu lado. Um rapaz de nome Pedro que eu já o conhecia do Céu da Lua Cheia do Leo Artese, me indagou: “Você não faz uso da santa maria?” Respondi que não. Então ele me disse que ao menos quando eu a pegasse na mão fizesse o sinal da cruz com ela antes de repassá-la a quem estava do meu lado. Olhei para ele com firmeza e também respondi que não. Rapidamente, ele desviou o olhar e não tocou mais no assunto. Aquele feitio teria sido lindo, se não fosse pelas drogas que tanto usavam.

Mas num certo domingo, durante a noite desse feitio, senti algo diferente, A intuição me avisava que era para me afastar um pouco para ficar a sós. Eu havia conhecido um homem com quem travei uma grande amizade, seu nome é Rafael Soriano. É muito esforçado, estava ali desde o início do feitio e se alojava em uma barraca. Juntos, assumíamos a bateção do jagube por horas a fio. Dirigi-me a ele dizendo que iria me afastar um pouco, mas depois voltaria para continuar o trabalho. Fui para uma parte do Pico do Jaraguá onde se enxerga a cidade lá embaixo. Eu havia comungado um pouco de daime umas horas atrás. De repente olhei para o céu e vi a santa pretinha que sempre me consolava quando eu era criança. Era linda e estava cercada por um manto de estrelas. Só que desta vez o contato era muito mais intenso e me eram passadas mensagens claras. Lembrei dos santos da igreja católica, coisa que nunca gostei. Neste momento o Mestre Jesus também apareceu e me disse: “Gideon, é com a minha autorização”.

Então tudo ficou certinho, se era da vontade do meu Mestre nada podia ter mesmo de errado. Fui tomado por uma felicidade e um êxtase que não é possível pôr em palavras. Ali aquela santa pretinha me disse que havia chegado a hora de eu realizar a obra que vim para fazer. Que agora meus recursos materiais (que já eram abundantes) seriam acrescidos inúmeras vezes. Que as terras que haviam sido prometidas a mim, agora seriam entregues e neste momento, mirando, vi as terras sagradas. Um sol amarelado veio e as folhas das árvores ficaram mais verdes, então escutei o canto de uma araponga. Muito mais coisas me foram ditas, mas uma foi frisada mais dos que as outras: “Que eu devolvesse o daime para a seriedade com que Irineu caminha”. Depois de tudo que vi, retornei ao feitio apenas para me despedir do Rafael Soriano e de alguns outros. Fui para casa.

 

A COMPRA DAS TERRAS SAGRADAS

No dia seguinte, de manhã cedinho, eu estava com três enfermeiros amigos meu, pelos quais tenho profundo carinho: Gomes, Aluísio e Marquinhos. Tempos atrás eu já havia comentado com eles que minha intuição apontava o Vale do Ribeira, que acreditava que seria ali onde eu compraria as terras.

Nesta manhã de segunda-feira, nós quatro conversávamos e ríamos muito, quando o Marquinhos abriu, do meu lado, um jornal, bem na página dos classificados… Minha intuição acusou na hora um ponto pequenininho do jornal, algo não maior que uma unha. Ali dizia apenas “vende-se fazenda boa” e dava o número de telefone. Eu disse, feliz, que havia achado as terras. Os três ficaram surpresos.

O Marquinhos, sempre muito cético e brincalhão disse após olhar no jornal o que eu havia apontado: “Mas você não tinha nos dito que sentia que as terras seriam no Vale do Ribeira? Este telefone é da capital!”

Então, telefonamos. Atendeu um senhor de nome Sebastião. Perguntei sobre o anúncio e ele ficou surpreso do jornal ainda tê-lo publicado, porque já tinham publicado no sábado. Perguntei onde eram as terras. Ele me respondeu “Em Pariquera-Açu”. Neste momento, o Marquinhos bateu a palma da mão na testa e disse: “É no Vale do Ribeira, eu nasci lá!” Eu disse ao Sr. Sebastião que queria ver a fazenda. Na terça de madrugada, viajamos de São Paulo a Pariquera-Açu, no Vale do Ribeira. Chegamos de manhãzinha. Desci do carro e pedi ao Sr. Sebastião que ficasse em silêncio por um instante e assim fiquei a contemplar um pouco a beleza do lugar. Neste instante um sol amarelo desceu e as folhas das árvores ficaram mais vívidas, então uma araponga pousou e cantou forte. Era a mesma visão que a minha Mãe pretinha tinha me mostrado na miração. Perguntei ao Sr. Sebastião o preço que ele queria. Fechamos negócio e foi nesse lugar que começou todo o trabalho abençoado do Céu Nossa Senhora de Conceição.

Gideon dos Lakotas

Fundador e idealizador da obra Céu Nossa Senhora da Conceição, materializou esta maravilhosa obra que trouxe tantos benefícios para a humanidade.
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